1.5. Portugal no primeiro pós-guerra
1.5.1. As dificuldades económicas e a instabilidade política e social; A falência da primeira república
Em águas agitadas viveu a Primeira República portuguesa (1910-1926). Ao seu parlamentarismo, derivado dos elevados poderes do Congresso da República, se atribui a crónica instabilidade governativa. O Parlamento interferia em todos os aspectos da vida governativa, enveredando por vezes pela via dos ataques pessoais.
Ao laicismo da República, assente na separação da Igreja e do Estado, se deve o seu violento anticlericalismo.
v Dificuldades económicas e instabilidade social
Em Março de 1916, Portugal entrou na Guerra do lado dos Aliados. A sua participação no conflito mundial acentuou os desequilíbrios económicos e o descontentamento social.
A falta de bens de consumo, os racionamentos e a especulação desesperaram os portugueses. Com a produção industrial em queda, o défice da balança comercial cresceu. A dívida pública disparou. A diminuição das receitas orçamentais e o aumento das despesas conduziram os governos ao expediente usual noutros estados: o da multiplicação da massa monetária em circulação que desvalorizou a moeda e originou uma inflação galopante.
O processo inflacionista permaneceu para além da guerra. Do ponto de vista económico, as classes médias sentiram-se traídas pela República, vendo o seu poder de compra reduzido a metade.
Descrente com a República ficou, também, o operariado. A agitação social adquiriu contornos violentos nas grandes cidades. Frequentes se tornaram as greves dinamizadas pelos anarco-sindicalistas, que recorriam a atentados bombistas.
v O agravamento da instabilidade política
A guerra trouxe consigo o agravamento da instabilidade política.
Em 1915, o general Pimenta de Castro dissolveu o Parlamento e instalou a ditadura militar. Pela via da ditadura enveredou o major Sidónio Pais em 1917. Destituiu o presidente da República, dissolveu o Congresso e fez-se eleger presidente por eleições directas. Apoiou-se nas forças mais conservadoras da sociedade portuguesa, nomeadamente nos monárquicos. Dizia-se o fundador de uma “República Nova”. Em 1918 foi assassinado.
Em Janeiro/Fevereiro de 1919, houve guerra civil em Lisboa e no Norte. Os monárquicos quiseram aproveitar-se da desagregação dos partidos republicanos durante o consolado sidonista e ensaiaram uma efémera “Monarquia do Norte”, proclamada no Porto.
O regresso ao funcionamento democrático das instituições fez-se logo em Março de 1919. A divisão dos republicanos agravou-se. Os antigos políticos, agastados e incompreendidos, retiraram-se da cena política.
À instabilidade governativa somavam-se actos de violência despropositada que marchavam o regime e nos envergonhavam além-fronteiras. Foi o caso da “Noite Sangrenta” em que ocorreu o assassinato do chefe do Governo deposto na véspera, António Granjo e de heróis do 5 de Outubro (Carlos Maia e Almirante Machado dos Santos).
v A falência da Primeira República
Das fraquezas da República se aproveitou a oposição para se reorganizar.
A Igreja cerrou fileiras em torno do Centro Católico Português. Sabia que dispunha do imenso país agrário, conservador e católico.
Os grandes proprietários e capitalistas exploraram o tema da ameaça bolchevista. Criaram a Confederação Patronal, transformada pouco depois em União dos Interesses económicos.
As classes médias deram mostras de apoiar um governo forte que restaurasse a ordem e tranquilidade e lhes devolvesse o desafogo económico. Portugal, sem sólidas raízes democráticas e a braços com uma grande crise socioeconómica, tornou-se, por isso, presa fácil das soluções autoritárias.
Com excepção dos políticos do Partido Democrático e dos sindicalistas, poucos se mostraram dispostos a defender a República e 1925-26. Assim se compreende a facilidade com que a Primeira República portuguesa caiu, em 28 de Maio de 1926, às mãos de um golpe militar.
1.5.2. Tendências culturais: entre o naturalismo e as vanguardas
v Pintura
Enquanto que na Europa as vanguardas se instalavam, Portugal permanecia acomodado aos padrões estéticos herdados da centúria anterior. O gosto oficial e o aplauso premiavam o naturalismo.
A pintura académica comprazia-se com cenas de costumes e as minúcias realistas da vida popular.
O novo poder republicano (nacionalista e eleitoralista) apreciava e acarinhava as velhas tendências culturais. Porém, foi na Primeira República que se propiciou os primeiros sinais de mudança nos gostos e padrões estéticos. A agitação política, em que foi fértil, fomentou o debate ideológico, o livre exame e a crítica. Desde 1911, uma série de artistas plásticos e escritores lutaram por colocar Portugal no mapa cultural da Europa.
Foram aqueles artistas e escritores modernistas que produziram o que de mais carismático teve o modernismo português. Substituíram a iconografia rústica, melancólica e saudosa, pelo mundanismo boémio. Apoiaram-se no plano e não na sucessão de planos, fornecedora da perspectiva tradicional.
Ao atacarem alicerces da sociedade burguesa, nomeadamente os seus gostos e valores culturais, os modernistas colheram a indignação e o sarcasmo. Viram-se afastados de certames e publicações oficiais, que os marginalizavam.
v O primeiro modernismo (1911-1918)
Na pintura, o primeiro modernismo ficou ligado a um conjunto de exposições realizadas com regularidade desde 1911, em Lisboa e no Porto. Nelas encontramos artistas como Manuel Bentes, Almada Negreiros, Jorge Barradas, entre outros.
Os desenhos apresentados (caricaturas), perseguiam objectivos de sátira política, social e até anticlerical. Praticava-se a estilização formal dos motivos, esbatia-se a perspectiva, usavam-se cores claras e contrastantes.
Este primeiro modernismo sofreu um impulso notável com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, principalmente quando regressou o núcleo mais talentoso dos pintores portugueses que estudaram em Paris (Amadeo de Souza-Cardoso, Eduardo Viana, etc).
Destes regressos resultou a formação de dois pólos activos e inovadores: um em Lisboa, liderado por Almada Negreiros e Santa-Rita, que se juntaram a Fernando Pessoa e a Mário Sá-Carneiro, fazendo nascer a revista Orpheu; outro pólo radicou-se no Norte em torno da casa Delaunay, de Eduardo Viana e de Amadeo.
Com a publicação de Orpheu, o modernismo português revelou a sua faceta mais inovadora, polémica e emblemática: a do futurismo. A revista contou com a colaboração de Mário Sá-Carneiro, Fernando Pessoa, Raul Leal, Luís de Montalvão, Ângelo de Lima, Almada Negreiros, Santa-Rita e José Pacheco.
Arrebatados pelo mundo da técnica do seu tempo, os jovens de Orpheu deixaram o país escandalizado. Nas suas dissertações agressivas, repudiavam o homem contemporâneo e exaltavam o homem de acção.
Face às críticas indignadas do escritor e académico Júlio Dantas, os futuristas explodiram de raiva. O Manifesto Anti-Dantas, atacou violentamente o escritor, associando-o a uma cultura retrógrada que urgia abater.
Influenciado pelo futurismo declarou-se Amadeo de Souza-Cardoso em 1916. Duas exposições individuais não colheram o apoio da crítica nem do público, mas favoreceram a aproximação ao grupo de Orpheu.
A agitação futurista culminou com a apresentação espalhafatosa do Ultimatum futurista às gerações portuguesas do século XX, no Teatro da República. Logo a seguir, saiu o número único da revista Portugal Futurista. Pouco animadoras se mostraram as possibilidades de sobrevivência do modernismo futurista.
v O segundo modernismo (anos 20 e 30)
Com as mortes prematuras de alguns artistas, o regresso dos Delaunay para França e a partida de Almada para Paris, encerrou-se o primeiro modernismo português.
Nos anos 20 e 30, decorreu um novo ciclo no movimento modernista, que continuou a conciliar as letras com as artes plásticas. Distinguiram-se escritores como José Régio e pintores como Sarah Afonso ou Vieira da Silva.
Mais uma vez as revistas assumiram a dinamização literária e artística, sendo de destacar a Contemporânea e a Presença.
Mais uma vez, também, os artistas continuaram a deparar-se com a rejeição pelos organismos oficiais, pelo que exposições independentes que realizavam, os cafés e clubes que decoravam e os periódicos que ilustravam vieram a ser os seus grandes espaços de afirmação.
Como era de esperar, a decoração modernista de A Brasileira do Chiado e logo a de Bristol Club causaram polémica. Tornaram-se no museu da arte contemporânea que Lisboa não tinha.
Na década seguinte, António Pedro será um dos principais promotores do grupo surrealista português, nascido como oposição à “arte oficial” do Estado Novo.
v Alguns pintores modernistas
A pintura modernista portuguesa estrutura-se pela soma de uma série de percursos individuais.
A. Amadeo de Souza-Cardoso
Depois dos estudos liceais na cidade do Tâmega e da frequência do curso de Arquitectura da Academia de Belas-Artes de Lisboa, em 1905, ruma para Paris no ano seguinte. Em Paris troca a arquitectura pela pintura.
Ao regressar a Portugal, quando rebenta a Primeira Guerra Mundial, Amadeo refugia-se na casa de família, com a sua esposa Lucia Pecetto, que conhecera em Paris. Aplica as tendências vanguardistas absorvidas na Cidade-Luz. Em 1916, expõe em Lisboa e no Porto, mas depara-se com a incompreensão da crítica e do público.
No pouco tempo que o destino lhe permite viver em Portugal, Amadeo contribui para o amadurecimento do modernismo português. Priva com Eduardo Viana e o casal Delaunay. Entabula contactos com o grupo do Orpheu. Participa no Portugal Futurista, apreendido pela polícia.
B. José de Almada Negreiros
Almada viveu durante dez anos “encerrado” no Colégio dos Jesuítas em Campolide de onde saiu para encarnar o espírito irreverente dos modernistas.
Em 1913 realiza a sua primeira exposição individual e trava amizade com Fernando Pessoa, com quem colaborará em Orpheu e Portugal Futurista.
Depois de um ano em Paris, Almada encontra no regresso à Pátria a vida intelectual portuguesa estiolada, mantendo-se viva por acontecimentos pontuais. Desiludido parte para Madrid onde permanece cinco anos e onde se inicia na técnica do mural que o há-de tornar famoso. É no seu retorno da capital espanhola que contrai matrimónio com Sarah Afonso e realiza Maternidade.
Em 1953 pinta o Retrato de Fernando Pessoa. Falece no dia 15 de Junho de 1970.
C. Eduardo Viana
Em 1905, Eduardo Viana abandona, num assumido gesto de rebeldia o seu curso da Academia Nacional de Belas-Artes e parte, para Paris, em busca do ensino moderno. Viana estuda, viaja mas, sobretudo, deixa-se fascinar por Cézanne.
Em 1915, o pintor instala-se com o casal Delaunay, em Vila do Conde. Decompõe as formas, à maneira cubista, e da luz, à maneira órfica. Fascina-se pelo brilho do sol português e pelas cores alegres da olaria minhota.
O Rapaz das Louças, de 1919, marca o retorno de Viana à figuração volumétrica que sempre o atraíra.
A modernidade de Viana, o que melhor o individualiza e o engrandece, reside na pujança da cor, que usa em contrastes vibrantes e luminosos.
v Escultura
A escultura da primeira década do século XX ficou marcada pela hegemonia do gosto naturalista. Mestre António Teixeira Lopes, o grande escultor desta corrente, continuou a retinir as preferências do público.
Tal não impediu a manifestação de características modernistas dos anos 20, em escultores como Francisco Franco, Diogo Macedo e Canto da Maia.
Á semelhança da pintura, a modernidade escultórica acabou condicionada nos anos 30 e 40 pelas encomendas oficiais. Aos valores heróicos e à estética monumental do Estado Novo se submeteram muitos dos escultores.
v Arquitectura
Os primeiros sinais de uma nova linguagem arquitectónica datam os anos 20. Cristino da Silva, Carlos Ramos, Pardal Monteiro, Cottinelli Telmo e Cassiano Branco, contam-se entre os primeiros autores de projectos arquitectónicos modernistas.
Manifestou-se no uso do betão armado, no predomínio da linha recta sobre a curva, no despojamento decorativo das paredes, na utilização de grandes superfícies de vidros.
Nos anos 30 e 40, as experiências modernistas consolidaram-se devido ao apoio recebido pela política de obras públicas do Estado Novo.
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